O Tal do Burnout

Nem sempre o cansaço é só físico. Às vezes, vai acumulando em silêncio, enquanto tentamos manter o ritmo.

Vamos apagando aos poucos, vai perdendo o brilho aquilo que fazia sentido. Quando a força esgota — já não se sabe bem onde foi que começou.

O Burnout costuma ser visto como uma encrenca individual, um esgotamento pessoal. Mas, não! Na maioria das vezes, é reflexo de algo maior: de ambientes, relações e estruturas que adoecem de forma coletiva. Em tempos de tanta pressão, velocidade e incerteza, a impressão que dá é de que todos vão sendo consumidos por um maremoto que chega, - e não se sabe bem de onde.

Invisível | Ilustração por Júlia Hauck |

Vivemos colados às telas, imersos em demandas, correndo contra o relógio da vida - que, aliás, acho que já nem mais sabe porque e para onde move tão diligente o seu ponteiro.

.A verdade é que, mais sim do que não, muitos estão perdidos. Burnout vai além do excesso de trabalho, do estresse do dia a dia, tem a ver com desalinhamento. Entre quem somos e o que esperam que sejamos, entre o que valorizamos e o que vivemos na prática, nos perdemos. Deixamos de perceber quem está ao nosso lado, deixamos de perceber a nós mesmos — afundando, esgotando, queimando por dentro. Quando o descompasso se torna constante, vem rasgando nossa identidade, e o desgaste deixa marcas profundas.

Crie espaço para emergir,

volte a respirar

Reconhecer esses sinais exige espaço, silêncio. Não o silêncio perdido nas telas, o silêncio que escutapor dentro e por fora. Uma parada honesta, para identificar os próprios limites, os próprios ritmos… quem a gente era antes de nos perdermos na exponencial corrida da vida que levamos…

Ou será que nunca houve um tempo em que chegamos a nos encontrar?

O reconhecimento faz uma baita diferença na saúde das pessoas. Nesse processo de lutar por (re)encontrar a nós mesmos em meio ao que já não mais faz muito sentido, o contexto, os outros, o lugar que trabalhamos é para muitos uma das chaves sem a qual não é possível encontrar o caminho de volta. Porém, muitos ambientes adoecem as pessoas e adoecem junto com elas: metas inalcançáveis, relações frias, ausência de sentido. Mesmo encondidos atrás de telas, se refletirmos por um estante, - algo lá dentro da alma grita: isso não é normal! Não pode ser normal….

Mesmo que seja difícil, que pareça desacomodar, o ritmo acelerado que o mundo tomou impõe uma parada, revisão. Alto lá!!!! Para além do esgotamento de um, de outro, de muitos, o Burnout também é uma aviso. Por isso, também, uma oportunidade. Não se trata de fraqueza , não é sobre falha de ninguém. O buraco é mais em baixo: um sintoma de algo mais profundo, esperando para ser reconhecido, compreendido e transformado. E agora, José?

Escutar, nomear, dialogar, abrir espaço já é um baita começo. A partir daí, temos a chance de desviar a rota para caminhos mais saudáveis — cada pessoa, cada comunidade.

Se a gente se cala, se não fala, se seguimos assim — marchando sem graça e sem rumo, - se a vida seguir sem gana, sem olhar, sem estranheza, sem se importar… então, já está escrito o destino...

E, não sei vocês,
Mas eu não quero ir pra esse lugar…

Simone Hauck

Um toque de sentimento a mais:

O burnout não chega de repente — se infiltra, calado.
Às vezes, por frestas inesperadas. Outras, pelas mãos e vozes que deveriam cuidar.
Sem que a gente perceba, a corrente contra nós aumenta,
enquanto seguimos, dia após dia, fazendo ainda mais força para nadar.

Aquela margem de sonhos ensolarada, que antes víamos,
vai aos poucos ficando borrada — e, um dia, simplesmente não está mais lá.
O brilho se apaga devagar, e o que fazia sentido… já nem lembramos mais.

Se nada é feito, se ninguém enxerga que o fogo que nos movia agora nos consome,
um dia a força acaba — e desistimos de lutar.

E o ambiente?
Bem… o ambiente é aquele que deveria, podia, talvez até quisesse,
mas nunca foi capaz, de fato, de nos enxergar.

Simone Hauck

Médica psiquiatra, professora e pesquisadora com mais de 20 anos de experiência nas áreas de saúde mental, psicoterapia e desenvolvimento humano. Mestre e doutora em Psiquiatria e Ciências do Comportamento (UFRGS), com mais de 60 artigos publicados sobre temas como personalidade, Burnout, bem-estar, trauma e resiliência e, recentemente, resposta à catástrofes.

Professora adjunta da Faculdade de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Ciências do Comportamento da UFRGS, também atua como preceptora no Serviço de Psiquiatria do HCPA e como líder do Grupo de Pesquisa em Psiquiatria Psicodinâmica (Psychodinamyc Psychiatry Research Lab - PPRL | HCPA/PPG Psiquiatria e Ciências do Comportamento - UFRGS).

Durante a enchente de maio de 2024, no Rio Grande do Sul, liderou um projeto que avaliou mais de 5 mil pessoas atingidas, mapeando fatores associados à recuperação e à promoção de resiliência em indivíduos e comunidades. Seu grupo de pesquisa atuou ativamente no levantamento e na divulgação de dados em tempo real sobre saúde mental, com o objetivo de informar a população sobre os impactos psicológicos mais comuns — como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) — e estratégias simples que poderiam ser implementadas pela e para comunidade, para favorecer a recuperação.

Há algum tempo, a convergência de múltiplos fatores aproximou sua trajetória do campo da neurodiversidade, no qual vem se aprofundando. Sua vivência como educadora, pesquisadora e terapeuta embasa o propósito da Hauck& Terra: ajudar pessoas e organizações a acessarem sua identidade mais autêntica, promovendo saúde mental, realização e bem-estar em seus contextos mais amplos.

CRM RS 25699 | RQE 15868

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/3925634920090943

https://www.hauckterra.com
Anterior
Anterior

Está por aí, autoestima?

Próximo
Próximo

Neurodivergência