Se eu sou especialista em construir poços, por que não posso cavar o da minha casa? 💦
🧱 Se eu sou especialista em construir poços, por que não posso cavar o da minha casa?
Por Simone Hauck
Médica psiquiatra, psicoterapeuta, professora. Mãe da Júlia.
Por mais de uma dúzia de semanas, venho tentando garantir que minha filha tenha o mínimo de segurança para estar na escola.
Fiz tudo o que qualquer mãe faria — e também tudo o que só uma especialista poderia fazer.
Escrevi relatórios.
Traduzi sintomas invisíveis.
Organizei laudos, articulei a rede, expliquei o que significava cada limite, cada sinal silencioso de sobrecarga.
Desenhei mapas que a escola pudesse seguir para não feri-la mais.
Mas mesmo com toda a minha formação, ética, experiência — minha voz foi ouvida como se fosse só uma mãe exagerando.
E então eu me pergunto:
Se eu fosse especialista em construir poços, não poderia construir o da minha própria casa?
Se sei reconhecer o colapso antes que aconteça,
Se sei como é o corpo de uma criança em shutdown,
Se dediquei minha vida a ensinar profissionais a enxergar onde a dor não fala,
Por que, ao ser mãe, minha legitimidade se apaga?
Minha filha tem um funcionamento neurodivergente.
Ela é brilhante, sensível, ética — e profundamente ferida.
Não por sua diferença, mas por um sistema que insiste em pedir dela o que só funciona para os outros.
Ela já tentou se encaixar. Já tentou sorrir para não incomodar.
Já tentou fazer tudo certo — até que quebrou.
Eu não estou lutando para que ela tenha vantagens.
Estou lutando para que ela permaneça inteira.
Para que possa existir na escola sem se despedaçar por dentro.
Para que não aprenda que, para ser aceita, precisa se anular.
🎯 Quando uma mãe com competência clínica, ética e profissional diz o que está acontecendo, o mínimo que se espera é escuta.
E quando essa mãe fala com a serenidade de quem já viu tudo por dentro,
com a dor de quem não pode se proteger no lugar da filha,
com a esperança de que ainda dê tempo — isso deveria bastar.
Mas o sistema, muitas vezes, não reconhece a verdade dita por uma mãe.
Principalmente quando essa mãe é lúcida.
Quando ela sabe nomear.
Quando ela não grita — mas sustenta.
Quando ela constrói — em vez de acusar.
Um chamado à escuta, à empatia, à humanidade….
Este não é só um desabafo.
É um chamado.
Aos educadores. Às escolas. Aos profissionais de saúde.
Não apaguem a autoridade das mães.
Não ignorem o que só o amor percebe.
Não deslegitimem a competência de quem está no front — e também tem formação.
Eu sigo aqui.
Como mãe.
Como profissional.
Como ponte.
E continuo acreditando que, sim —
posso construir o poço da minha casa.
Porque sei onde a água vive.
🤝 Nota de agradecimento a quem não nos deixou afundar
Em meio a tudo, quero deixar registrado meu agradecimento profundo à equipe que não soltou a nossa mão:
à Carla Rocho, Cláudia Szobot, Eriane Weimann e Helenira Coelho — por enxergarem a Júlia quando muitos escolheram não ver.
Obrigada por ficarem de pé conosco quando tudo parecia ruir.
Vocês fizeram mais do que cuidar — vocês sustentaram.
Com carinho,
Simone